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7 de dezembro de 2011

Na corda bamba

Vejo no meu horizonte céu claro e muito sol por um lado, e nuvens negras e tempestade do outro, e o meu caminho a passar entre estas duas realidades, sem poder evitá-lo ou seguir outro caminho com menos extremos.


Vejo-me perante estas duas realidades completamente diferentes, como um trapezista a caminhar através de uma corda bamba sem rede, em que não me posso deter ou optar por outro caminho nem falhar nenhum dos passos sob pena de dar passos em falso e deitar tudo a perder, numa altura em que estou totalmente focado em atingir um objectivo, e me vejo perante o desígnio superior de estar presente quando os nossos entes queridos caminham a passos largos rumo ao crepúsculo da vida e enfrentam uma batalha que todos perdemos desde que nascemos.

Não vai ser fácil manter a concentração e o equilíbrio entre duas realidades tão díspares, mas não me resta outra alternativa senão mergulhar de cabeça sem me poder deter a meio nem poder refrear o ritmo dos acontecimentos, e fazer tudo o que puder em todas as frentes, sem abrandar o ímpeto para não deitar tudo a perder nem deixar de apoiar aqueles que me são próximos.

Em última análise, ninguém disse que a vida era justa. As lágrimas devem ser silenciadas e choradas interiormente e as dores suportadas com estoicismo e valentia até ao dia em que caímos definitivamente, porque o mundo é dos bravos, e tudo o que é bom tem um sabor a efémero e breve. Resta-nos viver e não sobreviver, e ir fazendo o melhor que sabemos e podemos.

27 de novembro de 2011

Quando o fado e o sentimento de saudade se encontram fora da nossa pátria (escrito em 27/11/2011)

Hoje é um grande dia para todos os Portugueses, devido ao Fado ser finalmente considerado património imaterial mundial pela UNESCO.
Apesar de como Português me sentir orgulhoso por este facto, na verdade confesso que o fado nunca esteve entre os meus géneros musicais favoritos... Só após muitos anos e uma estadia fora do país começei a apreciar fado embora não o ouça muitas vezes.
Recordo um dia em especial e uma canção, a canção do mar, cantada por Dulce Pontes.



Ouvi-o passado um mês e poucos dias de ter saído de Portugal, rumo a um país e uma realidade completamente diferentes do que conhecera até então, numa festa Portuguesa organizada pelos estudantes Portugueses do Programa Erasmus, numa espécie de garagem com sofás sovados, um balcão improvisado e infiltrações de água nas paredes que servia de bar de Erasmus com o nome de Jazzbina, em Ljubljana, a 4.000 quilómetros de Portugal.
Até então nunca tinha estado tão longe do meu país. As minhas viagens para fora tinham-se resumido a algumas voltas pela Península Ibérica, e nunca por períodos maiores que um mês.
Por entre imagens de Portugal e copos de sangria surgiu esta música. Já a tinha ouvido antes, mais do que uma vez até, mas nesse momento parei. Senti um aperto enorme no coração ao aperceber-me como estava longe de tudo o que até então tinha vivido, do meu país, da minha casa, dos meus familiares e amigos…
Nunca tinha sentido nada assim. Foi nesse dia que finalmente compreendi o verdadeiro significado da palavra saudade, e do enorme sentimento que essa palavra encerra. É um sentimento que não se explica por palavras, apenas quem está longe daquilo que ama o sente e consegue perceber o seu real significado.

Tal como o sentimento de saudade, que dizemos ser uma palavra que apenas encontra uma tradução real na língua Portuguesa, também o fado é parte integrante do nosso património nacional, e a partir de hoje,também do património mundial, o que significa que o nosso planeta passará também a ser um pouco mais Português, ajudando todos os que estão longe da nossa pátria a suportar um pouco melhor o sentimento de saudade.


13 de novembro de 2011

Dificil es quitar un sentimiento que esta bien amarrado al palo del corazon

Ao contrário do que tenho escrito, este não é um texto sobre viagens, nem tão pouco sobre música. Este é um texto que não vai ser tratado, re-escrito e arranjado para que fique bem feito, nem vai levar qualquer imagem. Hoje vou deixar o meu coração falar.
Pela primeira vez em três anos, sinto que é tempo de deixar cair a muralha que ergui sobre mim próprio para me proteger e dizer o que sinto..


Há precisamente três anos atrás, vi partir a pessoa que foi uma das grandes referências da minha vida, o meu avô..
Ao escrever este texto, ainda tenho o mesmo sentimento de vazio que senti neste dia, como se se tivesse aberto um enorme buraco negro que me sugou as emoções e os sentimentos, o mesmo peso no coração e o mesmo sentimento de raiva e e impotência por ter-te visto numa cama de hospital a sofrer e a chamar pelo meu nome e eu nada poder fazer para impedir isso. A única coisa que me dá alguma tranquilidade foi teres falecido na presença dos teus sucessores, e não sozinho e abandonado.

Recordo bem o dia que recebi o telefonema numa tarde de sábado a avisarem-me que se sentia mal e ia para o hospital. Era o dia 8 de Novembro, lembro-me que estava sol nessa tarde, e da enorme aflição que senti porque previ o pior.
Ao chegar ao hospital, senti-me um pouco mais tranquilo, sempre foi um combatente, que aos 80 anos ainda andava nos telhados e fazia muros. Vi-o combalido e fraco, mas estava tranquilo, e isso tranquilizou-me.

No entanto, com o decorrer da semana fui vendo o lento definhar até chegar à fatídica Sexta feira de 14 de Novembro.. Nesse dia ao sair do trabalho tive um estranho pressentimento, e contra tudo decidi ir ao hospital. Sentia que algo não estava bem, e corri, corri como há muito tempo não corria, apenas parando junto à cama, dei a mão e assim foi partindo, aos poucos... Ainda hoje penso que esperou por eu chegar para partir.
Naquele momento apeteceu-me chorar de raiva e isolar-me de todos até acalmar a dor, mas não o fiz porque sabia que não podia, contive e engoli tudo o que senti.

Por fora parecia feito de pedra, sabia que tinha de ser o fiel da balança e o elemento conciliador na família, tinha de ser forte por todos, para que nenhum quebrasse, mas por dentro implodi. Nos dias seguintes senti-me vazio e perdido, sem vontade de lutar. Limitei-me a ver os dias passar, e até que voltasse a reagir levou algum tempo.

Ainda hoje, passados estes anos, tenho o mesmo sentimento de vazio e de perda. Provavelmente é um sentimento que irá acompanhar-me até ao fim, porque por mais anos que passem, nunca vou esquecer o forte de madeira que me fizeste em miúdo para eu brincar aos índios e cowboys, e que ainda hoje guardo religiosamente, nem o degrau a mais nas escadas que fizeste por eu ter caído e esmurrado os joelhos, nem os momentos que passei a brincar e a martelar os dedos na tua oficina, nem as histórias que me contavas que faziam com que me risse como um perdido, nem as vindimas na terra, em que me punhas no lagar a pisar as uvas, nem os passeios que dei em miúdo pela tua mão pela baixa de Lisboa, pelas Caldas, pela Foz do Arelho, nem os almoços em família no Cortiço, nem de te ver a trabalhar na velha estância de madeira perto da Almirante Reis a trabalhar a madeira com o esmero e a paciência de um mestre.

Irei sempre arrepender-me de nunca termos feito a viagem que combinamos quando era pequeno, e que tantas vezes ficamos de combinar e foi ficando sempre para depois, para quando houvesse tempo...Até que não houve mais tempo...

Não sei se existe céu ou inferno, nem se onde quer que esteja o meu avô vai ler o que escrevo. Quero acreditar que está num lugar melhor. Quero acreditar que onde quer que esteja ele continua a guiar os meus passos, e a fazer degraus para eu não cair e esmurrar os joelhos...

2 de novembro de 2011

Oblivion

Apenas fecha os olhos, esquece as mágoas do passado, as preocupações do presente e os receios e sonhos de um futuro incerto, e deixa a música fluir livremente pelo teu corpo e alma...

Astor Piazzola através do tango tem o dom de nos fazer esquecer tudo por breves momentos. As mágoas, desilusões, tristezas, alegrias, momentos felizes, tudo fica para trás, apenas o agora interessa, um agora carregado de sentimento e silêncio, fazendo-nos mergulhar no rio do esquecimento (Oblivion)...

24 de agosto de 2011

Sarajevo Ljubavi moje (Sarajevo meu amor) - Segunda parte

Após o repouso, saímos da casa para jantar. Depois de ter-me deparado com aquela situação a minha vontade de sair da casa era pouca ou nenhuma, mas acabei por ir porque a fome já apertava. Ao sairmos de casa coincidiu com a hora do pôr-do-sol, e apesar da paisagem de inúmeros cemitérios espalhados pela cidade optei por tentar ignorar essa visão e concentrar-me unicamente nos edifícios que se espraiavam pelo vale.

Sabia pelo que tinha lido que Sarajevo era antes da guerra uma das cidades mais cosmopolitas da ex-Jugoslávia, sendo famosa pela sua tolerância religiosa e cultura, e também por ter recebido os Jogos Olímpicos de Inverno de 1984, e tentei ver o que restava dessa cidade.
 Apesar de ainda existirem alguns vestígios de guerra e casas destruídas, a cidade ainda tinha vestígios da sua anterior glória e prestígio, e, ao contrário do que tinha visto durante a tarde, ao por-do-sol não conseguia deixar de achar como era belo todo o cenário que se deparava perante os meus olhos, para meu próprio espanto.



A nossa busca de um local para jantar levou-nos até um pequeno restaurante com um ambiente familiar e despretendioso, que era exactamente aquilo que procurávamos. Após saborearmos um cevapcici e uma baklava, decidimos percorrer as ruas principais da cidade.

O famoso Cevapcici
Para meu espanto, encontrámos as ruas cheias de movimento e cafés, bares e discotecas abertos, cheias de pessoas a confraternizarem, e de jovens adolescentes desejosos de viverem a vida demasiado depressa. Nesse momento dei por mim a pensar nas imagens de pessoas a fugir dos tiros nessas mesmas ruas, apenas alguns anos atrás. Como era possível aquele milagre suceder? 



Uma das famosas rosas de Sarajevo
Tinham-me contado histórias acerca do quotidiano durante esses anos, de pessoas que pelo simples gesto de procurar algo que comer, lenha para se aquecer ou água para beber corriam o risco de acabarem mortas. Contaram-me histórias de pessoas que apenas pelo ruído dos obuses de artilharia a cair sabia que tipo de projéctil era, em que local iria cair e qual o tempo que tinham para fugir de uma morte quase certa. Hoje em dia ainda se pode ver marcas desses bombardeamentos nas ruas da cidade. Essas marcas foram cobertas com cera de velas, sendo conhecidas como as rosas de Sarajevo.

Apenas alguns anos atrás este era o quotidiano daquela mesma cidade que agora via perante os meus olhos vibrante e cheia de vida, a mesma cidade que tinha achado deprimente, angustiante e triste aparecia agora perante os meus olhos transfigurada para algo muito melhor.
Como era possível naquela terra esquecida por Deus as pessoas terem reencontrado a vontade de viver e fazerem de conta que nada se tinha passado naquele local?

Passados minutos deparei-me com um vulto familiar. Era o mesmo homem que algumas horas antes eu tinha visto completamente destroçado por não ter conseguido alugar a casa. Estava de novo na avenida principal, em busca de pessoas de visita à cidade à procura de um local acessível para ficar.

A verdade é que não adianta lamentarmo-nos e ficarmos de braços cruzados e sem esperança à espera que alguém nos salve o dia e a vida. Apenas aqueles que caem e aprendem a levantar-se e nunca perdem a esperança, por muito desesperada que a situação seja, poderão algum dia voltar a viver dias felizes.
- Pois é Hugo, por muito que nos lamentemos a verdade é que a vida continua, e temos de nos agarrar a ela para que não nos passe à frente dos olhos, pensei para comigo.



Uma das entradas do túnel
Lembro-me de ler algo acerca da história de Sarajevo e dos dias do cerco à cidade. Na altura a cidade estava completamente cercada pelo exército dos Bósnios-Sérvios, com excepção da parte da cidade que era ocupada pelo aeroporto, que era controlado pela ONU. Como os Bósnios não podiam ter acesso a esta parte da cidade para poder fazer passar mantimentos e outros bens de primeira necessidade, decidiram construir um túnel que passasse por baixo do aeroporto e ligasse a cidade à área sob controlo dos bósnios.

Até aqui nada de extraordinário, no entanto a verdade é que os construtores do túnel não dispunham de técnicos especializados, materiais ou mesmo instrumentos de precisão que lhes permitisse construir o túnel para que os dois lados coincidissem, tendo sido ele todo feito a olho, e sob condições extremamente difíceis. Ainda hoje uma das casas bombardeadas nas quais termina um dos lados do túnel serve de testemunho da extraordinária proeza destes homens, que numa situação de quase desespero e sujeitos a serem sepultados vivos por uma das bombas que diariamente caíam naquela casa usaram o engenho para encontrar um meio de aliviar o fardo dos cidadãos sitiados.
Com estes pensamentos voltámos de novo à casa onde pernoitámos naquela noite, e ao chegar ao local não quis entrar logo. Decidi ficar mais um pouco cá fora a apreciar as luzes da cidade naquela noite de céu estrelado. Ao ver aquela cidade vibrante e viva carregada de cicatrizes não pude deixar de pensar em como era bela e única. Sarajevo é de facto uma cidade muito especial, que nos faz passar por um misto de emoções fortes e sentimentos, e no fim de tudo nos renova a esperança e aquece-nos o coração…Pelo menos a mim fez-me sentir dessa maneira.

De manhã caminhámos novamente pela cidade antes de a abandonarmos em direcção ao nosso destino. Ao passarmos pelo Praça dos pombos e pela fonte que supostamente faz regressar quem beber a sua água, decidi beber essa água três vezes, para ter a certeza que um dia voltaria.
A praça dos pombos e a fonte
Passaram seis anos desde esse dia, no entanto o desejo de regressar continua vivo. Quando regressar, irei passear pelas ruas a cantarolar a música dos anos 60 conhecida por todos os Bósnios e pela grande maioria dos que visitaram a cidade, que se chama Sarajevo Ljubavi moje (Sarajevo meu amor)



Até um dia...

Sarajevo Lujbavi moje (Sarajevo meu amor) - Primeira parte

Tenho o hábito de todos os dias ler as notícias e ver os cabeçalhos dos jornais para estar a par do que se vai passando no mundo.
Quando abro as notícias sobre o nosso país, e um pouco à imagem do mundo ultimamente, normalmente são más notícias. Quando tenho tempo costumo ler os comentários às notícias, e o que vejo e leio são lamentos e mais lamentos.

Costuma-se dizer que os lamentos, a par com o sentimento de saudade, o futebol e o fado fazem parte do ADN de todos os Portugueses. Também eu por várias vezes caio no erro de me lamentar acerca do estado do nosso país e mesmo da minha vida, mas tal como todos os Portugueses devemos estar mais preocupados em viver e lutar para melhorar a vida do que em lamentarmo-nos, porque na verdade cruzarmos os braços e lamentarmo-nos não adianta de nada.

Quando me lamento arrependo-me logo a seguir devido a uma das mais extraordinárias lições de vida que recebi, e que por vezes infelizmente me esqueço.

Em 2005, durante uma viagem pela ex-Jugoslávia visitei a cidade de Sarajevo, capital da Bósnia Herzegovina. Antes de visitar a cidade apenas recordava as imagens de guerra que inundaram os noticiários de todo o mundo durante os três anos de cerco à cidade. Recordava nomes como a tristemente célebre avenida dos snipers, o Hotel Holliday Inn, o edifício bombardeado do jornal Oslobodenje e o mercado da cidade, todos eles infelizmente célebres por maus motivos.
Avenida dos snipers
Antes de entrar na cidade passei por vários locais e em todos eles vi o espelho de um quotidiano de guerra que aquele país atravessou durante os anos conturbados de guerra civil, mas também vi locais de uma beleza natural capaz de nos fazer sentir pequenos, como o vale do Rio Neretva, o mesmo que passa na fantástica ponte de Mostar, o que me levava a perguntar como era possível ter havido uma guerra num local tão belo. Infelizmente essa é uma pergunta que ficou sem resposta.
Avenida principal
Após passar por todos esses locais, finalmente chegamos a Sarajevo, entrando na cidade pela célebre avenida dos snipers, hoje um local repleto de prédios de habitação enormes com marcas de guerra visíveis nas fachadas.
Após estacionarmos num dos parques do centro da cidade, decidimos percorrer o centro em busca de um local para dormir. Saravejo é uma cidade marcada por três períodos distintos (Otomano, Austro-húngaro e Jugoslavo), sendo facilmente identificado cada um deles apenas percorrendo a avenida principal em direcção ao centro, que termina na Bascarcija (mercado), que é a zona que mantém a traça Otomana.
Hotel destruído no centro da cidade
Ao percorrer a avenida principal em direcção ao centro, encontrei muitas esplanadas e cafés abertos e algumas pessoas a passear pelas ruas. É uma sensação estranha passar por um local que conhecemos apenas das televisões e no qual vemos em cada canto imagens conhecidas, porém tão diferentes.
Ao passar numa dessas ruas um homem interpelou-nos, perguntando num inglês bastante perceptível se estávamos à procura de um sítio para ficar.


Ao início não reparei bem nele porque estava distraído a tirar fotos, mas depois observei-o atentamente. Trazia um fato bege bastante usado, e pelo aspecto diria que se tratava de um homem perto dos 60 anos e de aparência bastante humilde.
A Bascarcija
Em conversa, contou-nos que tinha cerca de 40 anos, o que me surpreendeu bastante porque aparentava ter muito mais idade. Perguntou-nos também a nossa nacionalidade, e como trazíamos Polacos na nossa comitiva, contou que tinha estado durante algum tempo a trabalhar na Polónia. Também nos contou que desde a guerra que estava desempregado. Como na altura já tinham passado 13 anos desde o início da guerra civil pensei para comigo como era possível alguém estar tanto tempo desempregado e conseguir subsistir.

Como ainda não tínhamos encontrado nenhum sítio para ficar decidimos ver a casa deste homem e pelo caminho fomos conversando. Dessa conversa retive na memória alguns dos diálogos que fomos tendo...
Num dos pontos da Bascarcija, disse-nos:

- Neste cruzamento, num raio de 300 metros há uma mesquita, uma sinagoga, uma igreja católica e outra ortodoxa. Durante 500 anos vivemos em paz, foi preciso vir o Milosevic para começarmos a lutar uns contra os outros!

Ainda durante o caminho para a sua casa, uma das nossas colegas de viagem perguntou o preço do alojamento, e ele disse-nos que era 15 euros a cada um. Ela queixou-se que era caro e que esperava que a casa tivesse boas condições, ao que ele respondeu que há 10 anos, durante a guerra, não havia um único edifício com os vidros intactos ou fornecimento de electricidade ou água na cidade. A mensagem foi clara: não esperem luxos por preços simbólicos. 

Ao passar por uma fonte numa praça, disse-nos que quem bebesse água dessa fonte ia regressar um dia a Sarajevo. Mais tarde vim a saber que o nome dessa praça era praça dos pombos. Mais adiante falarei dessa praça.
Hotel destruído perto da Avenida dos Snipers
Finalmente chegamos à casa do homem. Era uma casa bastante humilde, mas limpa. Honestamente para mim chegava e bastava, sabia a história daquele sítio e por aquele preço não esperava uma mansão. No entanto, algumas colegas estavam de pé atrás, uma preocupada pela segurança com medo que nos fizessem alguma coisa e outra com o preço que ele nos pediu. Alguns de nós como eu não nos importávamos de ficar, no entanto não íamos separar o grupo, pelo que decidimos não ficar.

Ao dizer-lhe que não íamos ficar reparei numa foto em particular. Uma foto antiga, desse homem com uma menina. Pelas feições pareceu-me ser filha dele, e lembrei-me de em conversa ele dizer que tinha uma namorada. Passou-me pelo pensamento que aquele homem podia ter perdido a família durante aqueles dias de tragédia, o que apesar de não ter certeza absoluta do que pensei fazia muito sentido pelo aspecto envelhecido e trágico daquela pobre alma.
Edifício do Parlamento
Enquanto lhe comunicávamos a decisão de que não íamos ficar, reparei na mudança de feições do pobre homem. No entanto o pior foi ao sair da sua casa, tendo-me virado para trás, e vi-o sentado numa cadeira a olhar para a porta pela qual nós passávamos. Nunca tinha visto ninguém com um olhar tão profundo de tristeza, desespero, derrota e resignação. Era como se tivessem aberto um enorme buraco negro na sua alma.
Ao ver tudo aquilo senti-me muito mal comigo próprio porque sabia que provavelmente aquele dinheiro ia garantir que ele subsistisse durante algum tempo. 

Do nosso grupo houve quem sentisse o mesmo:

M. – Pessoal, estou a sentir-me muito mal comigo próprio, temos de ajudar de alguma maneira este homem.
Hugo – Sim, concordo contigo M., também me sinto pessimamente.
M. – Vamos oferecer-lhe 20 euros e dizer-lhe que é como agradecimento pela visita guiada pelas ruas que fez.
A. – Sim, vamos.
Ao entrar novamente pela porta, apesar de notar que ainda estava atordoado ele tinha em parte recuperado o ânimo e estava ao telefone. Ao terminar de falar ao telefone, o M. começou a falar com ele.
M. – Sr, como foi tão atencioso connosco e nos mostrou o centro de Sarajevo, gostávamos de o recompensar pelo seu tempo e dar-lhe este dinheiro.

A reacção dele foi a seguinte:
 - Agradeço a oferta mas sou um cavalheiro e por isso não posso aceitar.

Antes de sair ainda nos mostrou um caderno com algumas declarações de pessoas que ficaram na casa dele, a dizer que era uma excelente pessoa e que gostaram muito de lá ter estado, o que fez com que me sentisse ainda mais triste.
Quando nos juntamos aos nossos colegas, uma delas perguntou-me se tínhamos ido regatear o preço. Ao ouvir isto quase explodi de raiva, mas em vez disso apenas me saiu uma frase de forma maquinal e fria: Não regateio com pessoas desesperadas!

Depois deste episódio fomos buscar a carrinha para procurar um dos endereços que anotei antes da viagem de possíveis locais para ficar. Disse-lhes que há 10 anos aquela cidade estava completamente destruída e que não esperassem encontrar as condições que encontrariam em casa. Era óbvio que estava a recriminar quem se tinha recusado a ficar lá, estava furioso com o que tinha acontecido, sobretudo com a falta de sensibilidade da nossa colega que me perguntou se tinha regressado para regatear.

Por fim, acabamos por descobrir um sítio para ficar com boas condições, e o ambiente começou a desanuviar. O local onde ficamos ficava sobranceiro à cidade, e de lá podíamos ver toda a cidade espraiada pelo vale do rio Miljacka. Nessa altura apercebi-me da enorme quantidade de sepulturas que rodeavam Sarajevo. Já tinha visto antes as fotos da cidade, mas não deixa de ser chocante visto ao vivo e a cores...
Aproveitámos para descansar um pouco até à hora de jantar, mas pensava para comigo que queria sair dali o mais rapidamente possível, o olhar desesperado daquele homem juntamente com a visão que tinha acabado de ver e o que sabia sobre a cidade estavam a deixar-me com um sentimento misto de tristeza, culpa e revolta.

Lembrei-me de uma foto que tinha visto há muitos anos durante a guerra, uma imagem a preto e branco, que revelava uma verdade indesmentível, fria e desprovida de sentimento, na qual aparecia uma parede esburacada por estilhaços e buracos de bala, com uma frase a spray: Welcome to hell.

Finalmente compreendia o real significado dessa frase, mas apenas uma pequena fracção, nada comparável com o quotidiano medonho desses dias de inferno, miséria e morte.

11 de julho de 2011

Scar tissue

Durante a minha vida tive vários períodos bastante atribulados, em que as incertezas e as dúvidas eram mais que muitas e me sentia como um barco sem leme nem velas, vogando à deriva  num imenso oceano de dúvidas. Nesses períodos valeu-me uma grande dose de tenacidade, paciência, teimosia, orgulho e sobretudo, dos bons amigos que sempre tive e me apoiaram.



Esta é uma história sobre uma dessas amizades da idade parva da adolescência, em que as dúvidas são grandes e em que temos uma vontade enorme de mudar o mundo, desafiar as convenções, de conhecer, explorar e gozar a vida, mas sobretudo, é a idade em que é definido aquilo que seremos como adultos, e em que as verdadeiras amizades ficam e outras menos verdadeiras acabam.



Nesse período tive o apoio de poucos mas bons amigos, daqueles que nos acompanham desde os tempos do preparatório e com os quais passamos os anos da adolescência e com os quais partilhamos memórias de momentos de companheirismo, amizade e apoio nas horas menos boas.
Dos muitos amigos desse tempo ficaram o Lopes, o Tendeiro, o Caliban, o Carrasco, o Monteiro, o Pereira, o Cangalhas e o Seco. Todos tínhamos em comum o facto de termos andado na mesma escola, alguns desde o preparatório e outros que vim a conhecer apenas no secundário. Não éramos os mais famosos da escola, nem os mais inteligentes (exceptuando o Monteiro). Éramos tipos normais como tantos outros.
Desse tempo ficou muita coisa na memória, mas o que mais recordo foi as idas em grupo à praia da Fonte da Telha, Portinho da Arrábida e ao Vimeiro no velho e lendário Rover 400 do Tendeiro e no Punto do Caliban e as passagens de ano em casa do Tendeiro. Foram momentos bem passados que me deram alento para enfrentar um período complicado.
No entanto em 1999 tudo mudou. Venci as duras batalhas que tinha pela frente e todo um mundo de oportunidades e experiências abriu-se de repente na minha vida, fazendo com que a minha vida desse uma volta de 180 graus.

O facto de entretanto ter mudado de cidade fez com que fosse perdendo o contacto aos poucos com esse grupo, mas de vez em quando nos fins-de-semana ou nas férias ainda nos encontrávamos para manter contacto, até que em Dezembro de 2000 recebi a triste notícia que o seco estava doente.

Nunca tinha lidado com uma situação destas, por isso quando falei com ele nem sabia o que dizer. Apenas consegui dizer que estava sem palavras e que podia contar com a minha amizade. Queria dizer-lhe muito mais, mas infelizmente não encontrei as palavras certas…
Apesar de saber que era grave nunca me passou pela cabeça que ele não ia dar a volta por cima, por isso fui deixando passar os dias e semanas, até que…


No dia 11 de Julho de 2001 à noite estava na biblioteca da Universidade a estudar para um exame. A minha concentração nunca foi muito boa, mas nesse dia estava totalmente desorientado e não conseguia perceber porquê.
Entretanto recebi um sms, e quando fui ver o que era eis que recebi a triste notícia que o nosso amigo tinha partido. Foi um choque enorme para mim porque não estava à espera, sempre acreditei que ele ia dar a volta por cima, mas infelizmente tinha perdido um amigo…
Ainda hoje me culpabilizo porque devia ter estado mais presente quando ele precisou dos amigos, mas nunca previ que as coisas levassem o rumo que levaram. Sempre previ outro rumo e uma grande vitória na dura batalha pela vida.

Podia e devia ter estado mais presente.

Hoje passam 10 anos desde esse triste dia, e tenho-me lembrado desses tempos que trazem memórias tão distantes e ao mesmo tempo tão próximas, e apesar de ser uma data triste, ficou muita coisa boa desse tempo, mas uma das coisas que mais recordo é de 1999, num certo dia de Agosto, em que viajávamos em direcção ao Portinho para mais um dia de praia e Voleyball. Na rádio tocava scar tissue dos red hot chilli peppers. Éramos jovens, amigos e todos tínhamos um futuro radiante pela frente..




Alguns cumpriram-no, outros ficaram aquém das expectativas criadas, e outros simplesmente não puderam alcançar o zénite da vida por motivos maiores que a própria vida, mas todos temos uma história de amizade verdadeira para contar, e nunca esqueceremos os bons momentos passados.


Seco, onde quer que estejas, estarás sempre presente na minha memória. Um grande abraço amigo...

9 de junho de 2011

crónicas da aldeia - Uma pequena grande lição

Em miúdo, apesar de ser uma peste de primeira, também tinha momentos em que era menos travesso e conseguia ser mais querido...
Um dos hábitos que tinha nesse tempo era o de apanhar flores por tudo o que fosse campo, canteiros e até nos jardins dos vizinhos para oferecer à minha mãe, quase todos os dias...Num desses dias decidi apanhar as flores que estavam num dos canteiros da casa, e lá fui eu todo contente oferece-las à minha mãe.
A resposta da minha mãe não podia ser mais contundente…

- Hugo, então tu foste arrancar as ervilhas ao teu pai!???

Moral da história: As boas intenções por si só não enchem a barriga de ervilhas…

7 de junho de 2011

Crónicas da terra - A tia do pão com tulicreme

Como todos os miúdos da minha geração, também eu passei os verões (e vivi durante algum tempo) na “terra”, que no meu caso é uma aldeia algures entre a Serra dos Candeeiros e o Oceano Atlântico.
Dessa aldeia recordo muitas coisas que fizeram parte da minha infância, e que por boas ou más razões ficaram gravadas na memória, como quando a luz eléctrica pública foi instalada e finalmente a aldeia saiu da penumbra característica assim que o sol se punha, de ter caído e esfolado os joelhos e o queixo nos degraus que davam acesso à casa do meu avô, o que fez com que ele nos dias seguintes decidisse rapidamente acrescentar um degrau para que não voltasse a cair, dos longos passeios pelos campos cobertos de vinhas e árvores de fruto, de apanhar amoras no vizinho do lado, das vindimas em família quando nos juntávamos para apanhar as uvas e as pisávamos no lagar, das muitas idas à minha praia de infância, dos passeios de carro pela Serra dos Candeeiros e pelas redondezas, do primeiro dia de escola, dos inevitáveis piolhos, do primeiro grupo de amigos verdadeiros (e dos quais fui inevitavelmente perdendo o rasto até não sobrar nenhum) e de uma das minhas tias (chamemos-lhe a tia do pão com tulicreme).
De todas as lembranças de infância, a tia do pão com tulicreme é uma das mais agradáveis que tenho J
A tia do pão com tulicreme sempre me adorou. Porquê não sei, porque honestamente eu era uma peste em pequeno que nunca parava quieto e estava sempre a cair no chão de tão rápido que corria. Era o que se chamava ter mais vontade de correr do que força nas pernas, já que era um magricela, por isso andava grande parte desse tempo com os joelhos esfolados e cheios de mercúrio e pensos.




Volta e meia punha a família (e a terra) em alvoroço com as minhas tropelias. Ainda me lembro de quando decidi encher de pedras o depósito de combustível da mota de um dos meus tios, ou de quando decidi que havia de ir para casa a meio de um piquenique e pus os meus pais e os amigos à minha procura por toda a parte, enquanto eu estava tranquilamente a jogar jogos de tabuleiro em casa com a minha companhia de “fuga” (nunca acreditaram que chegasse a casa, mas como tinha dito a verdade livrei-me de levar uma surra, o mesmo já não se pode dizer da minha companhia desse dia…ainda hoje sinto remorsos por ter sido o responsável) ou ainda de quando perdi os óculos que detestava usar ao pé de uma fonte e tiveram de despejar a água dessa fonte para procurá-los lá dentro, e no fim não os encontraram. Felizmente por uns tempos não usei óculos, mas só até à próxima visita ao oftalmologista :S
Apesar de todas as minhas tropelias e de por vezes ficar de castigo, a minha tia tinha sempre um sorriso compreensivo e uma palavra amiga.
Depois de um dia de tropelias, lá ia eu tocar à campainha para ter com o meu primo, e ela recebia-me sempre com um sorriso, uma palavra amiga, e uma sandes de pão com tulicreme acompanhada de um refresco. Escusado será de dizer que volta e meia lá ia eu ver os meus tios e o meu primo…e o pão com tulicreme. Havia que juntar o útil ao agradável…


Muitas coisas mudaram desde essa altura…Deixei de ser magricela, de usar óculos tamanho xxl, de ter os joelhos esfolados e cobertos com mercurio e de fazer tropelias, entre outras coisas. A “terra” também mudou graças ao progresso, e embora os tempos tenham trazido coisas que antes não tinha, está cada vez mais vazia da alegria e do colorido que recordo na minha infância. Na velha escola primária onde aprendi a ler, escrever e contar as lições dadas tantas vezes pelos professores nas salas de aula terminaram, os quadros passaram a estar vazios de palavras, letras e números, as crianças já não brincam no recreio, e grande parte dos campos já não estão cultivados.
Hoje em dia a minha tia já não me dá pão com tulicreme (embora quisesse duvido que o encontrasse à venda) e já tem dificuldade em se deslocar por estar a avançar para o crepúsculo da vida.
 No entanto continua a receber-me com o mesmo sorriso e o mesmo afecto de sempre. Felizmente ainda há coisas que nunca mudam.

8 de março de 2011

Dia da mulher

Posso orgulhar-me de dizer que ao longo dos anos o destino ou o puro acaso tem-me feito conhecer grandes mulheres.

Infelizmente as várias circunstâncias da vida fizeram com que algumas abandonassem o convívio do dia-a-dia, no entanto o tempo não apagou a lembrança nem o sentimento de admiração que tenho por todas as mulheres que trouxeram coisas boas à minha vida, seja aquelas com quem passamos bons momentos de amizade, viagens de grupo, momentos de stress diário no trabalho, momentos de intimidade a dois, ou com quem simplesmente partilhamos aquela pausa para café e um conselho amigo de que por vezes tanto precisamos.

E por isso, quero dizer a todas vós que a vossa presença, mesmo que breve, me trouxe alento, alegria, amizade, companheirismo e amor, e me fez crescer como homem. 
Dedico este post e esta música a todas vós.


24 de fevereiro de 2011

Pai, irmão, amigo para a vida

Hoje é dia de aniversário do meu pai . Já lá vão 59 anos…Apesar de não ser dia do pai, não podia deixar passar este aniversário em branco e fazer uma pequena homenagem.
Não é fácil para mim falar do meu pai, penso que não o é para nenhum filho. Há sempre demasiado para dizer e nem sempre se consegue dizer tudo. Posso dizer que sou um filho orgulhoso de um grande pai, e que o meu pai é o meu herói.

Desde pequeno sempre o adorei, a ponto de dizer que o meu pai é um dos grandes amores da minha vida. De pequeno recordo as brincadeiras, a ida para o infantário pela sua mão, as paragens para comer o pastel de  nata ou a passagem pela loja do macacão, que faziam parte da rotina diária a caminho de mais um dia.

Também recordo o período da tua ausência semanal, em que esperava todas as sextas-feiras à noite ansiosamente pelo nosso velho mini que o trazia de volta para nós, dos acampamentos na Foz do Arelho e as pescarias ao pôr-do-sol que tanto gostava de ir, ou me pegar ao colo para conduzir o mini, mesmo que fosse a fingir, e da primeira vez que me levou a ver a bola, e que teve um efeito contrário ao que ele pretendia porque acabei por começar a gostar do Belenenses.
Nessa altura todos os momentos eram poucos para estar com ele.

Numa fase posterior recordo a infinita paciência para me explicar a matemática, mesmo que estivesse distraído com outras coisas sem jeito, e do apoio incansável que me deu quando já poucos acreditavam nas minhas capacidades (por vezes até eu próprio). Ele nunca desistiu de mim!
E graças ao apoio dele venci e superei todas as duras provas a que fui submetido. Nesses anos aprendi com ele a mais importante de todas as lições de vida, a de que por mais difícil que esteja a situação, nunca se deve baixar os braços até alcançar o que queremos.

Superar esses momentos fizeram-me chegar onde cheguei hoje. Também recordo de como decidiu apoiar-me quando me aventurei pela primeira vez fora do país, para um país completamente diferente durante meio ano, que se veio a converter em um ano, e mesmo que estivesse contra a minha decisão de ir decidiu não me cortar as asas, nem de quando me amparou a queda e me apoiou mais uma vez… Provavelmente ia conseguir superar a prova de fogo sozinho porque estava determinado a isso, mas o seu apoio foi a âncora de estabilidade que necessitava para navegar no meio de um oceano de tanta incerteza.

Pai, apesar de por vezes chocarmos, e de por vezes me fechar e não dizer o que sinto e de nem sempre ter tempo para te ouvir, quero que saibas que não há um dia em que não pense em ti, nem que não agradeça tudo o que tens feito por mim. Tudo o que fui, sou e serei devo-o a ti.
Parabéns meu pai, irmão e amigo para a vida.

23 de fevereiro de 2011

Homenagem singela a um grande músico

Não podia deixar passar o dia de hoje sem prestar a minha homenagem a um dos melhores músicos que Portugal já conheceu, o grande Zeca Afonso. Lembro-me do dia em que partiu, era um dia chuvoso. Apesar de na altura apenas me interessar por Ministars e Onda Choc, lembro-me do choque dos meus pais em saberem que o Zeca tinha falecido. Pasados anos, durante o período da adolescência, e depois de pelo meio ouvir Nirvana, Guns, Doors, Pearl Jam e outros que marcaram os noventa, comecei a ouvir Zeca Afonso, e apesar de não ser bem a minha onda da altura gostei.


Entre muitas músicas, seleccionei esta, que é uma das minhas favoritas…

17 de fevereiro de 2011

Que nunca caiam as pontes entre nós II

“Se Deus abandonou esta infeliz cidade à beira do Drina, com certeza vai abandonar todo o mundo e tudo o que existe debaixo dos céus. E esta devastação não há-de durar para sempre (…) Tudo pode acontecer, menos uma coisa: Nunca vão desaparecer por inteiro e para sempre da face da terra aqueles homens grandes e sábios, todas aquelas almas nobres que constroem obras duradouras para a glória de Deus, para tornar o mundo mais belo e a vida humana mais fácil. Porque se eles desaparecessem, isso significaria que o amor de Deus se tinha extinguido deste mundo. Isso nunca podia ser”
Ivo Andric, A ponte sobre o Drina

Apesar da cidade estar reduzida a escombros, a destruição daquela ponte foi um golpe mortal para todos os que nela habitavam e amavam o que era belo, os mesmos para quem a ponte era muito mais que um mero local de passagem, e onde até à pouco tempo tantas horas tinham passado. Aquilo que os unia como uma comunidade, jazia agora nas águas turvas em que o belo rio que outrora era esmeralda se converteu...Tinha sido um ataque sem outra intenção que não destruir o que é belo e matar a memória colectiva de uma cidade outrora unida.

Nesse mesmo dia, a mais de 4.000 kms de distância, naquele que era suposto ser mais um dia de escola com a mesma rotina de sempre, vi no noticiário as imagens da ponte a ser destruída. Nunca tinha visto nada assim…As imagens  deixaram-me triste, apesar de nunca ter ouvido falar na ponte, e muito menos em Mostar, e de todo aquele pesadelo me parecer demasiado longínquo.
Na altura nunca imaginei que um dia ia estar naquela mesma cidade.

Passados 11 anos, durante uma viagem pelos Balcãs, paramos em Mostar. À medida que percorria as ruas, vi ainda muita da destruição que fez parte do quotidiano desta cidade durante 4 anos. É um choque atravessar uma cidade destruída quando estamos habituados à nossa zona de conforto, parecendo que entramos na twilight zone.
Durante uma visita a uma das mesquitas da cidade, subimos ao minarete para apreciar a vista sobre a cidade, e eis que entre os edifícios, surge a bela ponte reconstruída. Assim que a vi foi amor à primeira vista, e não descansei enquanto não a atravessei e parei num dos bares a beber chá, enquanto contemplava a bela ponte sobre o rio que corria suave e imperturbável. Havia algo naquela ponte que me fascinava e me fazia olhar apenas para ela. Queria guardar aquele momento na minha memória, e saboreá-lo por muitos e bons anos. Naquele dia apercebi-me que a beleza e a bondade triunfaram sobre o ódio e o desejo de separar o que a ponte tinha unido.

Ao deixar Mostar, e apesar das cicatrizes que teimavam em estar abertas, espalhadas por toda a cidade, sentia-me feliz, porque o belo rio Esmeralda corre mais uma vez sobre o arco-íris que sobe em direcção ao céu…

Que nunca caiam as pontes entre nós I


Muitos de nós atravessam pontes durante uma semana de
trabalho, às vezes até mais de que uma vez durante um dia normal. No dicionário a palavra ponte significa “construção que permite interligar ao mesmo nível pontos não acessíveis separados por rios, vales, ou outros obstáculos naturais ou artificiais”.
Todas as pontes têm essa função, no entanto algumas fazem mais do que simplesmente ligar pontos que não estão acessíveis, têm histórias mágicas que merecem ser contadas. Hoje vou contar a história de uma dessas pontes…

Todas as histórias começam por era uma vez, e esta não será excepção…Era uma vez um sultão Turco que decidiu mandar construir uma ponte para substituir uma velha ponte de madeira pouco segura.
O arquitecto encarregue de desenhar a nova ponte decidiu não fazer apenas mais uma ponte, igual a tantas outras, decidiu fazer uma obra que ficasse na história, apesar de estar ameaçado de morte caso a construção não fosse sólida.
Após 9 longos anos de construção, ficou finalmente concluída em 1566 ou 1567. Uma das lendas conta que quando a colossal ponte foi concluída o arquitecto preparou o seu próprio funeral para o caso da estrutura entrar em colapso.
 Quando finalmente foi retirado o último andaime, tinha o maior arco feito pelo homem, sendo considerada uma das maiores obras de arquitectura do seu tempo, havendo quem a descrevesse como “um arco-íris arco subindo para o céu, estendendo-se de um penhasco para o outro”.

Graças à ponte, uma aldeia desenvolveu-se durante 427 anos, espraiando-se pelas duas margens do rio esmeralda outrora intransponível, tornando-se mais do que um mero ponto de passagem e convertendo-se na cidade de Mostar (Guardiões da ponte). Com o tempo outros monumentos imponentes surgiram na cidade, e outras pontes ligaram as duas margens do rio. Porém, todos os olhos se concentravam na construção que deu origem à cidade, como se a velha ponte fosse de facto o seu coração, unindo todos os que a habitavam, acolhendo nos seus parapeitos sobre o rio crianças que brincavam atirando pedras ao rio, amigos que se encontravam para colocar a conversa em dia, adolescentes atirando-se ao rio em busca de fama e prestígio e casais de namorados faziam juras de amor eterno, fossem eles Croatas, Bósnios Muçulmanos ou Sérvios, enquanto o belo rio esmeralda corria por baixo da ponte, indiferente a todas.
Durante séculos, a cidade viveu em comunhão com a ponte, formando uma comunidade pacífica, unida e próspera.
 Até que…Num triste dia para a humanidade, a bela ponte sucumbiu face ao ódio humano pelo que é belo, na manhã do dia 9 de Novembro de 1993.

15 de fevereiro de 2011

“Produzimos demasiadas coisas para usar e deitar fora”

Sempre associei este dia a um acontecimento mau da minha infância, daí que nunca tenha ligado muito para o dia 14 de Fevereiro, e também por pensar que o significado deste dia deve ser celebrado todos os dias e não apenas uma vez por ano.
No entanto hoje abri uma excepção, e resolvi escrever acerca de uma coisa que é impossível de descrever para alguns, e que apenas se consegue explicar sentindo, o amor, e o que essa palavra tão especial significa para mim.

Hoje ao passar de comboio a caminho do trabalho apercebi-me de uma publicidade com uma frase que me chamou a atenção. A frase dizia:

“Produzimos demasiadas coisas para usar e deitar fora”

Esta frase diz bastante acerca do nosso quotidiano. A vida é dura, e põe-nos constantemente à prova, e constantemente faz com que nos tornemos artificiais, materialistas e desprovidos de sentimentos. No nosso dia-a-dia habituamo-nos a usar os objectos, animais e pessoas, e quando nos fartamos ou simplesmente já não nos são úteis, deitamo-los fora da nossa vida, como se de lixo se tratasse.

A maioria de nós não está para se chatear, nem tem paciência para socializar ou para aturar outra pessoa quando o dia-a-dia nos exige mais, por vezes até mais do que aquilo que podemos dar.
Não somos bons ouvintes, o que é uma pena pois assim muito se perde. Procuramos soluções rápidas para tudo, sem a paciência necessária para esperarmos o tempo necessário para tal. Tudo isto por um lado é reflexo da sociedade em que vivemos, na qual procuramos uma maior rapidez de soluções e felicidade.

No entanto, no meio dessa rapidez, stress, ou simplesmente falta de vontade, esquecemo-nos de que o que realmente importa na vida é ter momentos felizes, e para os ter é preciso fazer sacrifícios e literalmente mover montanhas, e não apenas dar atenção à nossa cara metade no dia dos namorados.
Já muito foi escrito sobre o amor, e existem livros que retratam n histórias de amor. Todos nós conhecemos exemplos e vivemos amores impossíveis, amores não correspondidos, amores platónicos e paixões que desafiaram e abalaram os pilares de famílias e sociedades. Na minha família tenho vários exemplos desses, porém não é deles que quero falar.

De todas as histórias e livros que li, houve uma que me tocou fundo…O livro foi escrito por Owen Matthews, e fala sobre a história de três gerações da sua família.

O pai de Owen, Mervyn, foi um dos primeiros britânicos a quem foi permitido estudar na URSS, na década de 50, facto que alterou toda a sua vida, quando se apaixona por Lyudmila, uma mulher inteligente e frágil proveniente de uma família vítima das purgas de Estaline, e posteriormente, quando se recusou a colaborar com o KGB, motivo pelo qual foi expulso permanentemente da URSS.
Os pedidos repetidos de um visto para Lyudmila sair da URSS foram sempre recusados, motivo pelo qual a história poderia ter um fim prematuro. No entanto, e apesar da distância que os separava, de não haver internet, msn, facebook ou telefone, não se deram por vencidos.

Todos os dias escreviam um ao outro, nunca perdendo a esperança de ficarem juntos, por mais desesperada que a sua situação parecesse. Todo o seu amor foi escrito em mais de um milhar de cartas, recheadas de frustração, amor e relatos do quotidiano.
Demonstrando uma enorme reserva de determinação e espírito de sacrifício, Mervyn abdicou de uma brilhante carreira em Oxford e dedicou seis anos a fazer uma campanha persistente e implacável para que fosse permitido a Lyudmila voltar para os seus braços, perseguindo e insistindo com toda e qualquer figura de peso no Governo Britânico que pudesse ajudá-lo, viajando pela Europa para tentar obter apoios, e conseguindo escapar duas vezes ao controlo fronteiriço da URSS para voltar a ver Lyudmila.

Apesar das frustrações, desilusões e dificuldades, o facto de nunca ter esmorecido o amor que sentiam um pelo outro nem a sua determinação durante esses seis longos anos, sem garantias de voltar a ver o seu amor acabou por ser recompensada, durante um processo de troca de espiões entre a URSS e a Inglaterra, conseguindo assim Mathews ver recompensada a sua longa e árdua batalha.
O casamento entre ambos foi menos feliz, devido aos problemas de adaptação que Lyudmila teve. No entanto foi salvo pela lealdade obstinada de ambos.

Esta história verídica de um amor que moveu montanhas serve para exemplificar o que de facto penso sobre o amor, e o que hoje em dia falta num amor vivido a dois…

Esquecemo-nos que para receber também é preciso dar, que amar é 50-50, que a desconfiança, o ressentimento, o orgulho e o rancor em excesso matam o sentimento de amar, que a maior de todas as provas é o perdão, que amor não é apenas momentos mágicos a dois, com viagens, jantares, amanheceres na praia, pequenos-almoços na cama e sentir borboletas no estômago. A palavra amor é maior que tudo isso. Inclui momentos menos bons que incluem amuos, zangas, desânimo e algumas desilusões, momentos esses em que é preciso tolerância, capacidade de encaixe, e muita, mas mesmo muita paciência.
Tudo isso faz parte da palavra amor, e tudo isso merece a pena sacrifícios, por mais absurdos que pareçam. O amor no fundo não é mais do que um sim continuado, um sim pelo qual estamos dispostos a lutar todos os dias, sejam dias de sol ou de chuva, lutando por fazer dessa palavra mágica algo pelo qual valha a pena enfrentar o dia-a-dia, e nos faça enfrentar dias vazios de sentido com o mesmo sorriso com que enfrentamos dias mais alegres.
Valerá a pena abdicar de algum do nosso tempo passado numa correria sem sentido e lutar por amor??
Eu digo que sim!